Montenegro enganou os portugueses quando disse que iria reduzir o IRS em 1500 milhões. Porque afinal eram só 200 milhões, que os outros 1300 milhões já estavam previstos no Orçamento que está em vigor. A coisa pegou, mas há aqui duas questões que dizem muito deste (não) tema.

A primeira é esta: O governo enganou os portugueses... mas quais portugueses? Numa população que continua maioritariamente a sentir-se roubada porque recebeu menos IRS -- traduza-se para quem não entendeu que o IRS recebido é um mero acerto de contas que significa que o Estado lhe cobrou a mais e manteve nos cofres o seu dinheiro, durante os 12 meses anteriores -- e que genuinamente acredita que está a pagar menos impostos quando o Fisco nunca recebeu tanto dinheiro como nos últimos anos da governação socialista, com a receita fiscal a subir 30% entre 2016 e 2023 (os impostos indiretos, como o IVA, representam mais de metade do que lhe tiram do bolso), custa-me acreditar que "os portugueses" sequer tenham ideia do tema que tem dominado a semana.

O que importa às famílias, o que querem saber os reformados que viveriam na miséria se não fossem as prestações sociais, o que interessa aos trabalhadores que nunca chegam a ver cerca de um terço daquilo que as empresas lhes pagam pelo seu trabalho, ainda que não lhes sejam garantidos os mínimos exigidos  a um Estado que se diz social (saúde, educação, justiça e previdência em condições), é quanto dinheiro têm no bolso. E isso só sentirão quando (e se) as novas tabelas de IRS que Miranda Sarmento está a cozinhar com a reduzida margem que tem -- o discurso da mega almofada financeira é areia nos nossos olhos, quando a instabilidade geopolítica se agrava, a economia europeia arrefece, a inflação já não garante extraordinários e os programas de compra de dívida do BCE foram desligados da ficha -- forem aprovadas.

Só quando o governo de Montenegro tomar medidas que vão além da execução do Orçamento que o PS de Costa lhe deixou de herança é que saberemos quanto vale o seu Programa e quanto dinheiro deixa no bolso dos portugueses. Mas sobretudo só quando deixarmos de pensar exclusivamente em termos de salário mínimo e começarmos a criar condições para premiar o mérito, a valorizar o êxito e a incentivar os lucros e o crescimento é que poderemos evoluir. Portugal é não só dos países com piores rendimentos da UE como está entre os países da OCDE em que os impostos e contribuições sociais mais pesam nos salários (41,9% do que a empresa lhe paga vai direitinho para esta conta), dos que têm maior dependência e vulnerabilidade.

E isso é o que maioritariamente importa a quem tem contas para pagar.

O que nos leva à segunda questão: Montenegro está a governar com um Orçamento que não é seu. Foi a exigência do Presidente Marcelo para reduzir um pouco a instabilidade causada pela demissão de António Costa e precipitação de eleições que não se previa que acontecessem antes de dois anos. Um Orçamento feito para gerir expectativas, por um governo que acreditava ter tempo para executar medidas de forma a brilhar nos grandes números por mais algum tempo e começar a abrir os cordões à bolsa e apresentar obra apenas quando isso fosse determinante para ganhar votos. O que, aliás, justifica algumas decisões metidas a pontapé quando o governo caiu, como a inversão de 180 graus no agravamento do IUC para carros antigos, que passou de imprescindível a desnecessária, ou a nova disponibilidade do ex-ministro da Educação para repor a totalidade do tempo de carreira aos professores, entre outras cambalhotas de última hora feitas na esperança de cativar alguns votos.

Ora não só o Orçamento em vigor foi desenhado pelo PS -- o que poucos suspeitariam ao escutar a oposição acérrima de Pedro Nuno Santos, governante estrela de Costa e agora líder dos socialistas -- como o mesmo PS não se cansou de avisar, ainda Montenegro nem tinha tomado posse, que seria uma loucura abrir os cordões à bolsa para resolver problemas acumulados durante quase nove anos de governação socialista. Não se pode deitar fora o esforço das contas certas, diziam há semanas os que montaram a geringonça para evitar que se prosseguisse as políticas de... contas certas.

Duas semanas após tomar posse o novo governo, no Parlamento fala-se como se fosse este o executivo responsável pelo desgoverno do país. E a bem oleada máquina de propaganda da esquerda vai replicando a narrativa que quer fazer crer que não esteve, toda ela, sentada nos lugares que decidem. Que não foi, toda ela, responsável pelo caos a que chegámos.  Montenegro enganou os portugueses é o novo lema. Pelo menos nesta semana...